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Um tempo rítmico e dorido, um tempo de subtil harmonia estética, em que tudo concorre para dar ao poema a vida da exactidão, quer verbal que imagística é o tempo poético de Soledade Summavielle. Uma espécie de metafísica do efémero e do quotidiano invade de transparência e diafaneidade o momento:

 

Em flor aberta te vi,

Em madrugada te amei

E nunca com outros olhos

Te verei.

Sempre figurei teu nome

Entre as estrelas e a lua

E o meu preso à tua sede

Coisa tua.

 

De outros poetas se poderá dizer que a sua inspiração, se escrita geometricamente, é quadrada ou rectangular. Mas a de Soledade Summavielle é circular. O poema nasce e, nos mais diversos trânsitos, logo se completa em harmonia, voltando ao ponto donde partiu o que poderia significar-se de um outro modo: voltando à fonte donde jorrou e vindo a terminar em frescura e jamais em secura. Disso é prova evidente o poema acima transcrito. Disso é prova evidente o poema que vamos transcrever.

 

CRIVO

 

Este orvalho que tomba e me acontece

Igual a buganvílias desfolhadas,

Fragmentos dispersos de horas vivas

Ecos de festas nunca realizadas,

No seu doce contacto me arrepia.

Adormenta-me os dedos a fadiga

De repetir nas cordas do alaúde

As notas breves da canção antiga.

E não sei de que ausência é que me chega

Esta incorpórea e transbordante luz,

Esta voz rumorosa de oceano

Que um anódino búzio reproduz

 

E este regressar contínuo ao princípio, este partir sabendo aonde vai chegar, não tem nada de limitação. Pelo contrário. É a consciência da prisão terrena, quando se provou já em grande altitude a libertação fruída nos seus quatro pontos cardeais: Paralisada inquietude / Mudez das palavras ditas. / Tudo é nada e nada é tudo. / Fim das coisas infinitas.

 

Natércia Freira

Diário de Notícias, Dezembro de 1969

 

 

Em edição da Sociedade de Expensão Cultural, que o incluiu na Colecção de poesia que obedece ao título de “Convergência”, apareceu no mercado, com boa apresentação gráfica, um novo livro de versos de Soledade Summavielle, livro que tem por nome “Canto Incerto”. É o quarto volume que a autora publica dentro de igual modalidade literária.

Desde o primeiro volume por ela assinado se teve a certeza de aparecer uma poetisa que venceu. E então tem vindo, constantemente, a manter o nível que atingiu desde o princípio, sem o mais leve desvio no caminho que resolveu percorrer. Talvez não seja de mais acrescentar que suave emoção a tem levado a aumentar de volume para volume a sua categoria de poetisa. Sabe o que está fazendo e marca uma posição deveras singular neste mar imenso em que nos encontramos de nos cercarem de inúmeros pretendentes o lugar de sacerdotes ou de sacerdotisas do culto da poesia. Lugar que não alcançam porque não têm a possibilidade de entrar nesse difícil terreno que raros conseguem para nele recolherem as reproduções perfeitas do que no seu mundo íntimo se apresenta.

Soledade Summavielle é dos poucos que atingiram o posto desejado. E se é certo que a sua maneira de ser e de sentir se manifesta em cada livro que publica de especial modo, não menos certo é também que apesar de especial, ela vai adoptando, de livro para livro, numa interessante tranquilidade de espírito, tal serenidade que aumenta, cada vez mais, elevando, portanto, a sua posição.

É por isso, que me apetece dizer, para não me afastar da verdade, que este seu “Canto Incerto” é mais de considerar como “certo” no ambiente que a rodeia. Nela se encontra, no perfil dessa sua tranquilidade, uma curiosa intenção lírica que lhe permite de forma pouco vulgar transmiti-la com suficiente persuasão aos leitores que a consultem através as esplêndidas páginas do seu livro.

Os poemas de Soledade Summavielle dão a certeza da sinceridade com que são tratados. Não se distanciam da autora. Usa um estilo rebuscado em campo alheios, como sucede com aqueles que são modernistas à força de o quererem ser e não porque o tivessem sentido. A autora impostas por determinadas correntes literárias a fim de causarem espanto para reclamarem o nome. Teve o cuidado de o recomeçar modificando-o e tornando-o capaz de a satisfazer e de satisfazer aqueles que apreciam a verdadeira poesia”.

 

Alfredo Guisado

República, 12 de Dezembro de 1969

 

 

Novembro, 1969. A Editora Sociedade de Expansão Cultural, na sua colecção Convergência, publica o quadro livro de Soledade Summavielle: “Canto Incerto”-

Aguardado já, a qualidade da poesia agora saída a lume não nos impressiona. Vem apenas confirmar a dos anteriores volumes: Sol Nocturno, 1963 edição da Autora; Tumulto, 1966; e Âmago, 1967, Colecção Convergência, S.E.C., Lisboa.

De excelente aspecto gráfico, em marginália anota recortes da Imprensa sobre o anterior volume. A assiná-los alguns nomes dos mais representativos da crítica poética.

A abrir, um belo poema que dá o nome ao livro. Nele, a explicação da sua poesia:

 

Canto como quem ri,

Um canto primitivo de iludida.

Canto como quem chora,

Um canto vertical de alma oprimida.

 

Tão incerto o meu canto, e todavia,

É nesses elementos discordantes

Que procuro as notas dissonantes

Dos acordes perfeitos de harmonia.

 

Mas cada vez mais a voz de Soledade Summavielle é certa e segura das profundas ressonâncias que encontra na emotividade que vem despertar a quem a lê.

Fugindo à fascinação puramente lírica, Soledade Summavielle cria os seus poemas a partir da própria consciência. Quando a fantasia arrebata e o poema parece ser invenção, - e nunca o é – sentimos que é sempre tendo o mundo por limite que o poema cria o seu próprio espaço. Nele todos os elementos se interrelacionam, para formar uma unidade de maior valor que a simples soma das partes. E o universo é povoado com um elemento mais.

Situando-se entre a realidade e o possível, ultrapassa a existência alienada para se afirmar em acto de liberdade desvendando a ilusão do mundo, dando-lhe acesso à totalidade do real encontrado.

Rosto

 

Paralisada inquietude,

Mudez das palavras ditas,

Tudo é nada e nada é tudo,

Fim das coisas infinitas.

 

Rodas paradas levaram

Névoa aos meus olhos abertos.

Sem andar fui dar comigo

Em povoados desertos.

 

Prisioneira em liberdade,

Na superfície me afundo.

É este meu confuso

Que me explica para o mundo.

 

  Schopenhauer foi o primeiro a dizer que todas as artes aspiram à condição da música.

E assim acontece com a poesia de Soledade Summavielle, onde o ritmo acorda com a nova tonalidade que as palavras ganham, recriando-se a obra a partir da própria consciência, recreando-nos com a sua forma deleitável.

Libertando-se dos sentimentos, intensificados a sua sublimação, a voz cristalina de Soledade Summavielle vem, em Aleluia, estimular as emoções: “…O êxtase, o fascínio, o esplendor, / Toda a emoção aguda e violenta / Que cabe no limite duma flor”.

 

Almeida Mattos

Notícias de Fafe, 20 de Dezembro de 1969

 

 

O último livro de Soledade Summavielle, tem, como os outros anteriores livros da mesma autora, a virtude de nos deixar tranquilos sobre a qualidade poética dos textos apresentados, quase sempre sem a preocupação do acertar pela hora que se supõe a exacta, mas segura de uma vocação que naturalmente se cumpre.

Pois se a autora, à revelia do momento, ainda se define como poetisa, não como poeta!

 

Sou Poetisa. Por força do destino.

E porque foi no Minho que nasci.

Gerei-me entre giestas, romasninho,

Bebi nas suas fontes, recolhi

 

Na íris dos meus olhos o fulgor,

Da paisagem mais verde que já vi.

Este meu jeito de cantar ficou-me

Dos pássaros cantores que lá ouvi.

 

Este entendimento biográfico da condição própria parece-nos, contudo, não permitir qualquer juízo sobre a consciência artística de quem, ainda que interrogando, é capaz de definir com perfeita exactidão o seu canto em versos como estes:

 

Porque vens ousado,

Meu canto vermelho,

Denso e perturbado?

 

Porque vens tão perto,

Voluptuoso e casto

Ó meu canto incerto!?

 

Talvez seja essa incerteza condição indissociável da poesia, pois em quantos poemas cheios de certezas poderemos encontrar a inteira correspondência entre o entendimento da poesia e a poesia que neste livro de Soledade Summavielle nos patenteia? Pois não é ousado, vermelho, denso, perturbador, voluptuoso e castro, o canto incerto em que surgem versos com os que seguem?:

 

Este desejo inquieto de beleza

Que traz um bem-me-quer aos meus cabelos,

Me veste de luar e de incerteza,

De aromas virtuais, de fogo e gelos

 

Que me cobre de sonho e de receios,

Que põe na minha boca um beijo teu,

Dois morangos silvestres nos meus seios,

E fecha em tuas mãos tudo que é meu.

 

Como, com certeza, ao leitor, não nos sobram dúvidas sobre a qualidade poética do novo livro de Soledade Summavielle, Canto Incerto.

 

Mário António

Diário de Notícias, 1 de Janeiro de 1970

 

 

Na colecção “Convergência” da Sociedade de Expansão Cultural, acaba de aparecer mais um livro de Soledade Summavielle, Canto Incerto. É o prolongamento de um canto de acentos profundos, de forma ao mesmo tempo liberta e rigorosa, o que se lê nas páginas de Canto Incerto, certo, com certeza, na extrema adequação entre forma e conteúdo de que dá provas. Apresentámos, seguidamente, um poema exemplificativo de quanto deixamos dito.

 

Ária

 

Canto de voz velada…

Contudo, um canto ainda.

O sonho já não leva

Em franco desafio,

 

Às verdes alamedas graça aéria.

Não lhe empresta os lírios,

Nem os pássaros loucos,

Murmúrios, gorgeios e delírios.

Mas, junto das lápides,

Há passos vigilantes,

Há sons que se desfolham

Às brisas ondulantes.

E uma espera calma,

Como a expressão da lua,

Não desencorajada

Mas tímida, flutua…

 

Notícias de Fafe, 7 de Fevereiro de 1970

 

 

 Um poeta nunca pode assumir uma posição estática no mundo que o rodeia, no emaranhado de fenómenos que a vida oferece, afinal, a qualquer.

Tem de ser, simultaneamente, presença e fuga. Presença, para conhecer, sentir e amar – porque um poeta ama sempre, até as angústias de que não se separa nunca. Fuga, para melhor conhecer a dimensão dos acontecimentos integrados na sua potencialidade emotiva e sentimental e comunicá-los na sua mensagem artística.

Fuga para melhor se encontrar.

Fundamentalmente, a poesia é humanidade e espírito, uma beleza e uma força que se comunica em expansão, que abrange o universo das coisas e dos seres. E tanto pode e deve sê-lo quanto mais o poeta, inebriado de amor, de ideal e sonhos, souber conhecer e sentir o seu mundo e o mundo dos outros, em tragédia ou em glória, em saudade ou em dor que não se sufoca.

“Canto Incerto”, é um novo livro de Soledade Summavielle.

Apreciando a sua poesia, numa das críticas – Hernâni Cidade referiu-se à luminosa brevidade das sínteses e dos símbolos e assim acontece. A autora consegue sempre escrever num pequeno poema um grande poema.

Não é fácil, por vezes este milagre, mas nós admiramos em Soledade Summavielle a arte com que consegue fazê-lo, em criações subtis e aliciantes de ritmos, enriquecendo cada estrofe com uma idealização (ora ânsia, ora serenidade, ora esperança a fluir), que se transforma em fulcro de sentimentos afectivos.

E a poesia é assim – criação em ascese. E o poeta tem de ser assim – tem de ser ele, o mundo das coisas e dos seres e o sentido transcendente do universalismo que é força de criação humana e espiritual.

“Canto Incerto” é um esplêndido livro de poemas que confirma o talento e a arte da autora, bem integrada, pela sua sensibilidade e cultura, nas formas dum estéticismo de valor antológico e que coloca a poesia no plano alto que lhe pertence.

Edição da Sociedade de Expansão Cultural.

 

Sousa Machado

O Desforço, 13 de Março de 1970

Críticas do Livro - Canto Incerto 

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