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Homenagens

 Aprendi em Soledade a rima sensível e sonora do coração em flor. O sopro da amizade. O céu azul da Primavera. Versos de asas feitos, com a imaginação ou o sonho que envolve os muros num abraço de hera. Deslumbrantes de luz são os seus poemas mais conseguidos, resplandecem com o despertar dos jardins. Diria que estamos na presença das palavras fulgurantes com que se escreve o talento e se eterniza a Arte, que mais não é que a respiração simples das coisas simples - um astro que vagueia na noite, o canto suave e rumoroso que nos toca e perurba docemente, rosa ou estrela que transporta a inefável melodia que só a alma entende, uns braços que se cruzam num abraço, o calor leve de um beijo, o voo de ave, a voz do vento, os passos do silêncio à aproximação da aurora. De toda esta argamassa fez Soledade o seu canto (incerto?) como hino à Vida, à Natureza, ao Amor, à Fraternidade, à Morte, ao Sonho, à Poesia.

 

Canto como quem ri,                     

Um canto primitivo de iludida.         

Canto como quem chora,                

Um canto vertical de alma oprimida. 

 

    Reveste-o uma sensibilidade profunda e radical, um desejo obsidiante de prefeição, um apelo à harmonia e ao reencontro do que no homem é mais puro e belo e humano.

    Em Soledade, surpeende-se a enérgica recusa a tudo o que não corresponde à vibrante sinceridade do Poema, cintilamento, fluido claro, margem de outros sons, fonte de sonho e de mistério que inspira a sua sede.

 

Queria-me liberta                          

E pávida de espanto                      

Fundir-me na harmonia                  

E limpidez de um canto                   

 

    Aprende-se em Soledade, assim, a voz do coração. A voz que anuncia um esplendor de relva nos olhos que fitam (também) as laranjeiras em tremor de frio, enquanto os pássaros, em orquestra nupcial, vão cantando a sinfonia da Primavera.

    Nascida no Minho e poetisa, gerada entre giestas e rosmaninho, Soledade estabelece-se numa poesia de encanto, de deslumbramento, entre o lirismo e o rigor estético, em permanente sonho palpitante.

    Qual Penélope, tece nos seus versos a beleza das coisas naturais - a fonte, a luz, a esperança acutilante. Afasta o som das horas comezinhas em troca do mais puro encantamento. E abre o luar à noite adormecida.

    E que maior sinceridade haverá que a confissão de uma vida autenticada pela Poesia e pelos "sons divinos", sentido e norte de uma existência terrena?

 

Não foras tu, Poesia,                    

E a sensação altíssima de Deus,    

O que teria sido a minha vida        

Sem sons divinos e eflúvios teus? 

 

(NOTA: As transcrições sublinhadas são da colectânea "25 Anos de Poesia - 1963-1988, Lisboa, 1988, que reúne os nove livros poéticos publicados pela autora entre "Sol Nocturno" e "Escrínio".)

 

Por Artur F. Coimbra

Montelongo, 31 de Maio de 1991

 

 

 

Poetisa de raça, a autora, Prémio de Poesia da Academia de Ciências de Lisboa, continua a marcha vitoriosa de quem conhece perfeitamente o caminho a seguir.

Breves , os versos, lapidares: “Gerou uma poesia no teu ventre, / O teu amor carnal pela Poesia. / Pior que a tua morte, a minha sede / Da fonte cristalina onde eu bebia”.

Naturalíssima no dizer, muito belo, muito simples: “ Cheiro este molhado / impregnado na terra / Depois do luar se abrir / E penso nos meus poemas: / No seu sabor a cacimbo, / Bagas de zimbro a cair...”.

 

Presença e Diálogo

(Livro IV Vol.III ano 1972)

 

Ao atribuir a Soledade Summavielle o seu Prémio de poesia, a Academia das Ciências de Lisboa reconheceu, ao mais alto nível da cultura portuguesa, uma obra lírica que, por direito próprio, discreta mas profundamente, como é próprio da poesia verdadeira, se tem afirmado como portadora de ressonâncias simultaneamente pessoais e solidárias – isto é, individual e participante. Ou por isso mesmo: o que mais íntimo em nós se justifica é sempre o mais inteligível pelos outros. Mesmo se a linguagem poética, por mais subjectiva, parece senhorio da voz que a exprime. Na sua obra, “Sol Nocturno”, “Tumulto”, “Âmago”, “Canto Incerto” um parâmetro significante se percorre, desde logo nos próprios títulos antes mesmo da substância que eles comportam se volver em ritmo, em música, em expressão, misteriosa mesmo, clara sempre. O sol nocturno ilumina as sombras do tumulto interior, tecido de mil fios unitários na contradição humana de que nascem; no âmago duma poesia como a de Soledade, espontaneidade e contenção tornam disciplinadamente certo o canto incerto. E canto incerto porque, no poeta, a mais consciente análise interior dispensa as certezas que a limitariam. Ou não fosse – como ela o diz – “Contraditório mundo que se move de forma tão estranha e singular. / Nasce da noite intacta a fantasia / Do aroma lunar / Como nasce do rosto da manhã / Aberto, iluminado, / O desejo de se ver reflectido / No côncavo dum lago entediado”. Pois aqui, nestes versos aparentemente claros em suas alusões essenciais, se fecha, poeticamente redondo, o sentido duma obra.

Os que viemos hoje aqui dizer a Soledade Summavielle quanto a admiramos e, mais importante ainda, quando lhe queremos, estamos-lhe gratos pelas emoções e intelecções que flúem da sua poesia, num percurso assim de que podem definir-se já, como se viu, as linhas essenciais duma vocação e dum destino. Todas as raízes da sua poesia confluem em comunhão humana, segredo e música: “Alongo o olhar silencioso e atento / Ás mais estranhas formas que reveste / A flor da noite em sua solidão”. Solidão que é a de todos nós mas não é a sua porque há “um esplendor de relva” nos seus olhos e essa fraternidade com a terra, implícita na sua poesia, é uma das características de toda a obra verdadeiramente comungante. Risco da asa por sobre o mundo das coisas criadas ou vividas, sofridas ou imaginadas, a poesia de Soledade Summavielle responde ao designo de Rike: cantar é ser. Por isso, Soledade, esse seu nome é engano: quem de tal modo é, nunca está só, como se vê. Presentes ou ausentes, estão consigo todos os que a leram ou ouviram, e na sua voz encontram sempre o seu próprio eco transfigurado.

 

Luís Forjaz Trigueiros

Lido no jantar de homenagem a Soledade Summavielle, organizado pelo Cenáculo Literário e Artístico “Tábua Rasa” em 21 de Janeiro de 1971

 

 

 

Encontra-se hoje a poesia portuguesa numa confusa e talvez fecunda encruzilhada onde se acotovelam os poetas novíssimos frenéticos de surrealismo e os poetas sem processos ou crentes nos caminhos trilhados desde os Cancioneiros pelos que sentiam coitas mais ou menos amorosas e saudosas.

Para certos leitores que se pareçam comigo, os poetas que mais prendem a atenção são os que conseguem aliar a genuína inspiração com os adiantos técnicos que de qualquer forma estimulem a liberdade expressiva mas que de facto digam alguma coisa. O martírio dos métodos é de pouca atracção. Poetas que não esganem a prosódia por puro aciente e sejam espontâneos… Ou ainda os que, às vezes sem saberem, levam à mesa de André Breton, tão precisada, um poema francamente apetitoso e comestível. Quando a inspiração é funda, feita de alegrias fortes e de “lágrimas impulsivas” para usar uma expressão de Soledade Summavielle, - o surrealismo vem de per si e se não vier ninguém lhe sente a falta nem chama por ele. Quando a inspiração é escassa e os processos trabalhosamente assimilados tomam todo o campo, o poema sai talvez barafustante e a armar ao insólito mas só pela rama dos sorrisos compassivos conquista o leitor. A inspiração, o romantismo prévio, digamos, é que há-de concitar as formas, o verso estrito ou a palavra perdura” como diziam os trovadores.

Soledade Summavielle parece-me estar no fio de balança onde se equilibram os lídimos valores tradicionais e apontam, discretamente ou a pleno, as melhores aquisições do modernismo. A sua sensibilidade nativa dá corpo e suavidade às formas poéticas de que se serve e os seus poemas brotam como a água das fontes e como as fontes se abrem a um contorno silvestre com sabor a terra e a flores naturais, ao hábito da natureza. Lembra-se a gente do verde pino das cantigas de amigo e das ondas do mar de Vigo que já marulharam as saudades, muito reais nos dois sentidos, do senhor D. Dinis. A melodia e um certo etéreo surrealismo dão poemas com este:

 

Visitação

A voz era suave,

Estranha a melodia

Dedelhada na harpa

Que mais ninguém ouvia.

 

Chegava-me de longe…

Descia das colinas,

Vinha num arco-iris

Feito de sedas finas,

 

E bebia no mar 

Denso de tempestade,

Do ritmo vermelho

Da minha ansiedade.

 

No mesmo voo alado

Em que vinha, partia.

Não deixava endereço,

Nunca se repetia,

 

Breve se diluía

Em águas espectrais.

Por seu amor construía

Meus barcos irreais.

 

Poesia muito clara mas também muito autêntica talvez fosse espiada de caudalosa abundância; é aqui que o saudável modernismo traz sua lição muito bem aproveitada. O esforço de concisão perfila e concentra a poesia de Soledade Summavielle e chega a pequeninos (grandes) poemas perfeitos que encantariam Carlos Queirós – o grande mestre dessas dificílimas brevidades:

 

Legenda

Estático momento

Em que o olhar se perde

No jade da folhagem,

Numa súbita flor

E canta com os ventos

O instante de surpresa

Presente inesperado

Dum grito de beleza.

 

Uma sensibilidade de tão bom quilate com a de Soledade Summavielle diremos que tem o rumo de aperfeiçoamento nessa tendência para a concentração de efeitos, para o poema despojado onde só brilha a emoção sem adornos.

Esse é quanto a nós o supremo surrealismo o que merece demorado cultivo porque é sempre compensador.

Balada

Em flor aberta te vi

Em madrugada te amei

E nunca com outros olhos

Te verei.

Sempre figurei teu nome

Entre as estrelas e a lua

E o meu preso à tua sede

Coisa tua.

 

Estamos nos Cancioneiros ou em 1971? Nas duas calendas penso eu; e este é o mais puro milagre da poesia que se renova – superar as datas, o calendário, ser do tempo e vencer o tempo. Soledade Summavielle é uma voz original na poesia de hoje porque aproveita os caminhos do passado e chega por eles à esplanada do nosso tempo que nem toda ela é belga ruim.

“Canto de voz velada…” Podia ser este verso a definição de toda a poesia de Soledade Summavielle. Guardar após os renovamentos do modernismo, as aquisições de um classicismo consciente sem ficar na repetição mortiça, é segredo desta poesia assimiladora dos eternos sentimentos desferidos ao contacto com humanos e com a bucólica do agro despovoado. A nota pessoal traduz-se no verso e ritmo actuantes em Bernardim, Rodrigues  Lobo, Fernando Pessoa. A originalidade bem feminina desta poesia estáno seu poder de comunicação discreta, na meia sombra da sugestão que inquieta e não cansa, no domínio do poema que termina com o suspiro e a notícia.  Sobriedade, verdade, eterno classicismo.

 

João Maia

Lido no jantar de homenagem a Soledade Summavielle, organizado pelo Cenáculo Literário e Artístico “Tábua Rasa” em 21 de Janeiro de 1971

 

 

 

 

Os versos de Soledade Summavielle, têm a palpitação dos sentimentos vividos e sugerem uma visão tranfiguradora das coisas. Impressionam, antes do mais, os poemas de amor – amor como deslumbrado encontro, entrega total e permanência. Cito um muito belo, de “Sol Nocturno”.

 

Como foi isto, amor, como foi isto?

Como é que dois destinos tão diferentes,

Duas linhas vagabundas

Como duas naus errantes,

Puderam ancorar no mesmo porto,

Enrola-se em novelo de ternura

(Dessa ternura que doi..)

E fundir-se num fio luminoso?

Como foi?!...

 

Mas há outros grandes temas nestas colectaneas: o sonho, com o pressentimento dum mundo maravilhoso, de “Buzios”, corais e pássaro ligeiros”. A vida, que  autora aceita e no sofrimento, numa espécie de comunhão relgiosa. A própria poesia, o próprio cano de mágoa” a quem a autora se dirige, em tom familiar, noutro belo poema, “Silvo” de “Canto Incerto”.

 

Porque me anoiteces, 

Meu canto de mágoa,

Porque me entristeces?

 

Porque me atormentas,

Meu canto de lenda,

Que gumes inventas?

 

Porque vens no vento,

Meu canto saudade,

Ao meu pensamento?

 

Porque vens intenso,

Canto imaculado,

Como um grão de incenso?

 

Porque vens ousado,

Meu canto vermelho,

Denso e perturbado?

 

Porque vens tão perto.

Voluptuoso e casto

Ó meu canto incerto!?

 

Em linguagem simbólica, na linha tradicional, rejuvenescendo velhas imagens cheias de anotações (a fonte,o rio, a barca, o cais...) Soledade Summavielle harmoniosa as dissonâncias dos momentos vividos, a espera, a solidão, a inquietude, num canto eminentemente musical, nos “acordes perfeitos da harmonia”.

 

Jacinto do Prado Coelho

(impressões de leitura, ao correr da pena...)

 

 

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